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Contador Indo-Português, séc. XVII, executado em madeira de teca, marfim e latão amarelo. Contador formado por dois corpos: caixa e base. A caixa é formada por oito gavetas, uma delas com frente dupla causando a ilusão de serem nove. A base apresenta na parte de baixo duas gavetas e um gavetão, sustentada por pernas maciças com a forma de nagini, forma feminina das serpentes nagas.

MB-69 a 70
Caixa - altura:51,5; largura:44,5; comprimento:79,5 cm
Base  - altura:83,5; largura:48; comprimento:89,2 cm

(…) Os contadores aparecem na Itália ainda no século XV com a forma de uma caixa pequena, com gavetas cobertas por uma aba que poderia ser utilizada para escrever. Durante séculos a Itália produziu contadores preciosos, muitas vezes com esculturas, que eram utilizadas em toda a Europa (…) Este exemplar indo-português sofre, como é característica do seu estilo, a influência de três civilizações demonstradas na base, formada pelas nagas ou naguinas, divindades hindus, com cauda de serpente. O marchetado é, neste caso, de influência islâmica e a civilização ocidental, representada por Portugal, verifica-se na própria função do móvel. A influência islâmica remonta, tal como na Península Ibérica ao século XVI por uma corrente mogol da qual o Museu Nogueira da Silva possui na sala das pratas, com a mesma influência, um medalhão de meados do século XVII.  Este tipo de contadores, sempre muito estimados, constam em lugar de relevo, no inventário de pessoas ligadas a altas funções no Estado da Índia e no de nobres que acompanharam D. Sebastião a Alcácer Quibir. O contador contém algumas gavetas aparentes e outras verdadeiras. Lateralmente tem asas para ser transportado, porque pertence, como o seu congénere português, à mesma época e mantém-se a intenção de facilitar as deslocações…era hábito as pessoas deslocarem-se para as suas outras residências acompanhadas por móveis e tapeçarias (…)

César Valença

In Um Olhar sobre o mobiliário do Museu Nogueira da Silva, ed. Museu Nogueira da Silva/UM, 2002

 
 


Tapeçaria de lã da Manufatura de Portalegre
com cartão do artista Renato Torres. Faz parte de um conjunto de cinco tapeçarias encomendadas por António Nogueira da Silva aquando da ampliação da casa da Avenida Central em Braga, hoje Museu, em 1965/1966.

Renato Torres (1913-1974) foi dos primeiros pintores a colaborar com esta empresa, tendo elaborado inúmeros cartões a partir de 1954. Diplomado pela Escola de Belas Artes do Porto era, na altura, professor do Ensino Técnico Profissional em Portalegre.

 

TP-1 [1106cmX428cm]



“… A história das tapeçarias de Portalegre é, assim, uma história recente. Data de 1946, quando dois amigos, Guy Fino e Manuel Celestino Peixeiro, resolveram fazer reviver a tradição dos tapetes de ponto de nó, em Portalegre. A concorrência era grande e o negócio não mostrava viabilidade. Foi então que Manuel do Carmo Peixeiro, pai de Manuel Celestino, desafiou os dois jovens a fazer tapeçaria mural com um ponto inventado por ele, anos antes, enquanto estudante têxtil em Roubaix. Todos se lançaram de alma e coração no projecto. A primeira tapeçaria surge em 1948 sob cartão de João Tavares.

Outros pintores como Júlio Pomar, Maria Keil, Guilherme Camarinha, Renato Torres, Lima de Freitas, contam-se entre os primeiros que colaboraram com a Manufactura de Tapeçarias.

Foram tempos difíceis pois “os velhos do Restelo” não acreditavam que fosse possível tapeçaria portuguesa. A tapeçaria tinha que ser francesa ou flamenga.

O reconhecimento e a aceitação da tapeçaria de Portalegre só aconteceram em 1952, pela mão dos próprios tapeceiros franceses que se deslocaram a Portugal para a grande exposição “A Tapeçarias Francesa da Idade Média ao Presente”. Guy Fino, aproveitando a ocasião, resolveu pôr em confronto as duas técnicas, expondo simultaneamente no SNI duas grandes tapeçarias sob cartão de Guilherme Camarinha que tinham sido tecidas para o Governo Regional da Madeira. Os técnicos franceses, convidados a visitar esta exposição, admiraram a técnica e a perfeição conseguida com o ponto de Portalegre. Estavam lançadas as tapeçarias de Portalegre.

Faltava no entanto cativar Jean Lurçat, o renovador da tapeçaria francesa, para a tapeçaria de Portalegre.

Depois de um primeiro contacto em 1952, Guy Fino conseguiu convencê-lo a visitar a Manufactura em 1958. Aí confrontou-o com duas tapeçarias:

         – uma tecida em França e que o próprio Jean Lurçat oferecera à esposa de Guy Fino,

         – e a sua réplica, autorizada, tecida em Portalegre.

Convidado a identificar a tapeçaria francesa, Lurçat escolheu a tecida em Portalegre.

Mais tarde veio a considerar as tecedeiras de Portalegre como as melhores tecedeiras do Mundo, fazendo tecer em Portalegre, de 1958 até à sua morte, um grande número das suas tapeçarias. Este facto, conjuntamente com a obstinação de Guy Fino, em muito contribuiu para a internacionalização da tapeçaria de Portalegre.

Cativando novos pintores, dos mais variados países – França, Bélgica, Suíça, Inglaterra, Suécia, África do Sul, Austrália, Brasil, Espanha, entre outros – a Tapeçaria de Portalegre difundiu-se pelo mundo encontrando-se, para além de colecções particulares, em instituições de renome mundial.

Assim, e apenas como exemplo, temos em Portugal, para além dos muitos organismos oficiais e dos grandes bancos nacionais, a Culturgest e a Fundação Calouste Gulbenkian, na Austrália o Supreme Court of New South Wales, na Alemanha, o Governo de Bad-Wurtemberg, Tribunal de Justiça Europeu no Luxemburgo, Palácio do Governo, em Brasília...”

 

Texto retirado da página da Manufatura de Portalegre https://www.mtportalegre.pt/pt/

 
 


Carruagem em Biscuit
, puxada por dois cavalos, transportando uma figura feminina conduzida, velozmente, por um cocheiro, sendo acompanhada por dois militares a cavalo. As figuras trajam à maneira do Séc. XVIII. A peça, da primeira metade do séc. XX, está numerada (645) e contém assinatura do fabricante: Ackermann & Fritze. Esta manufactura fundada, em 1908, situava-se na cidade Volkstedt-Rudolstadt, Alemanha. A peritagem desta peça foi efectuada pelo perito, Sebastian Bank, actual curador da Coleção de Porcelana da rede das coleções de Arte do Estado de Desdren, Alemanha.

Biscuit
, caracteriza-se por ser uma pasta de porcelana não esmaltada, que após ser cozida, se mantem num branco malte, imitando a textura do mármore e do gesso.  Foi utilizada em todas as manufacturas de cerâmica da europa, sendo a sua qualidade  variável. No período neo-clássico, intensificou-se o gosto por este tipo de pasta de porcelana.

Esta peça, gentilmente, oferecida ao MNS/UM, pelo Sr. Eng.o Afonso Braga da Cruz, em Abril de 2022, era proveniente da casa do seu avô, Sr. Domingos José Afonso, sita na Rua do Carvalhal, n.o 35 em Braga. A peça será incorporada na Coleção do Museu Nogueira da Silva, enriquecendo o acervo das Porcelanas Europeias que engloba objetos de diversas proveniências e cronologias. 

 

 


Molheira
ovalada em prata lisa, com bico e pega adornada com uma folha de acanto. Esta peça integra a baixela do Sr. Nogueira da Silva adquirida aos ourives e joalheiros Leitão & Irmão, em Lisboa nos anos 40.

OR-042 [larg. 18cm X alt. 12cm]


“As origens da Ourivesaria Leitão remontam a 1822, quando José Pinto Leitão se estabeleceu como “ourives do ouro” e abriu a tradicional loja-oficina, na Rua das Flores, arruamento que congregava os ourives que trabalhavam o nobre metal, na cidade do Porto. Este era o típico estabelecimento que imperava à época, em que o oficial trabalhava à vista dos clientes, junto ao balcão de venda. A produção consistia, sobretudo em peças de joalharia de cariz popular, em ouro, na qual predominava o uso da filigrana. Com o intuito de consolidar a actividade e procurando simultaneamente atender às necessidades de modernização, quase duas décadas decorridas, José Pinto Leitão, fundou, em 1840, no mesmo arruamento, a primeira loja da casa Leitão. Os filhos do fundador, Narcizo e Olindo José, continuaram a actividade e adoptaram a designação Leitão & Irmão. No panorama da produção nacional, a casa conquistou um estatuto de destaque em relação às suas congéneres, a de José Rosas e a Reis & Filhos, também fundadas no Porto. A capacidade técnica dos seus artífices e a irrepreensível qualidade das suas criações foram publicamente reconhecidas em 1873, quando D. Pedro, Imperador do Brasil, concedeu à Leitão & Irmão o prestigiante título de “Ourives da Casa Imperial do Brasil”. Em 1877, os irmãos Leitão abriram um luxuoso estabelecimento no elegante Chiado lisboeta e empreenderam o ambicioso projecto artístico de restaurar as grandes tradições da ourivesaria e joalharia, inspiradas nas raízes populares portuguesas. (…) A colaboração com um diversificado leque de artistas do panorama nacional como Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro, ou ainda o escultor e medalhista João da Silva, entre outros, foi absolutamente decisiva neste contexto de renovação da ourivesaria portuguesa. (…) Foi também à Leitão & Irmão que os monarcas recorreram com frequência para presentear familiares, amigos e personalidades diversas. Entre os seus mais importantes clientes, a casa Leitão contava ainda com membros da aristocracia e da alta burguesia comercial e industrial, a quem fornecia as mais elegantes e requintadas peças.”

Teresa Maranhas

In A Colecção da Casa Leitão & Irmão no acervo do Palácio Nacional da Ajuda, Actas do II Colóquio Português de Ourivesaria, Porto, 2019, Ed. Citar, Universidade Católica Portuguesa.


 
   
 
 


Santa Rosa Lima
– Alabastro Peruano, policromado, séc. XVII.

ES-163 [alt. 29,5cm X larg. 21,5cm]

maio 2022

Santa Rosa de Lima (1586-1617), foi considerada a primeira santa nativa da América do Sul, bem como a padroeira do Peru. Foi uma Monja da Ordem Terceira Dominicana, tendo dedicado a sua vida, à oração, à mortificação, e à ajuda dos mais necessitados. Em 1671, foi canonizada pelo Papa Clemente X, e tornou-se a primeira americana venerada em altares católicos. A pedra de alabastro, muito decorativa, é valorizada desde a antiguidade para fins artísticos. Consiste num mineral com baixa dureza, muito macio, possibilitando a execução de peças com formas elaboradas, com recurso a ferramentas simples. Na América do Sul, havia uma escassez de mármore e porcelana, o que determinou o uso deste abundante mineral. O alabastro da Santa Rosa de Lima, é proveniente da região, “Huamanga”, província do Peru. Sob o domínio espanhol, o alabastro era extraído para a feitura de esculturas religiosas, possivelmente, baseadas em gravuras europeias do séc. XVII e XVIII.

 
 


Amuleto egípcio zoo antropomórfico do deus Amun, Época Baixa (ca.664-332 a.C), cujo material de composição é faiança esverdeada.

DIV-86

Cumprimento – 2,5cm

Largura – 1,7cm

Altura – 8,2 cm

 

“Amuletos são pequenos objectos que podiam integrar o vestuário, ou mesmo carregados como talismãs pessoais, ou dedicados a alguma divindade como oferenda. A função básica do amuleto é conferir protecção mágica àquele que o possui. No Egipto, os amuletos quotidianos podiam integrar colares, braceletes e anéis. Amuletos eram também elementos fundamentais da religião funerária egípcia. Esses objectos eram posicionados em meio às bandagens que envolviam a múmia, e visavam auxiliar magicamente a prosperidade do defunto em sua pós-vida.

A magia do amuleto funciona essencialmente por simpatia (gr. sympatheia). Assim sendo, símbolos e alusões a divindades conferem ao proprietário do amuleto os poderes atribuídos àquela divindade representada. A partir do Reino Médio (ca.2055-1650 a.C.) começaram a fazer reproduções de divindades.

O deus Amun, natural da região de Tebas permaneceu uma divindade local até ao final da XI dinastia (ca.2055-1985 a.C.). A partir da XII dinastia (ca. 1985-1773 a.C.), Tebas tornou-se a capital do reino e a popularidade de Amun passou por um longo processo de expansão, atestado pela construção de templos por todo o território egípcio ao longo do Reino Novo

Após a conquista de Núbia, representações de Tebas como um homem com a cabeça de carneiro passaram a tornar-se comuns. Esse deus era particularmente popular entre os núbios, que o representavam sob a forma de um carneiro. O poder dos sacerdotes de Amun permaneceu incontestado no Egipto até ao saque de Tebas pelo exército assírio no século VII a.C. A partir de então a sua influência declinou substancialmente, embora ele ainda fosse popular durante o período romano e, inclusive, mencionado em textos mágicos coptas, já na era cristã.

O exemplar estudado data certamente da Época Baixa (ca. 664-332 a.C.) A partir desse período tornou-se popular o uso de faiança como matéria-prima para o equipamento funerário, joalheira, etc. A técnica e estilo artístico demonstram uma excelência característica do período.

Amun está de pé, com os braços rijos e caídos ao lado do torso. Seu pé esquerdo encontra-se adiantado em posição de marcha. O deus está descalço e de peito nu e umbigo à mostra. Ele traja um saiote curto plissado e uma peruca tripartida também plissada. Seu rosto está muito bem detalhado. Narinas chifres e olhos bastante nítidos. A ponta do chifre esquerdo danificou-se a está ausente da peça.

A figura possui um pilar dorsal, onde um furo transversal à altura do final da peruca sugere que o amuleto podia ficar pendurado por um fio. O pilar dorsal é esculpido de tal maneira que parece encaixar-se à peruca por trás, em sobreposição a ela. Não há inscrições nesta peça.”

Ronaldo G. Gurgel Pereira (2013)

Uma Coleção Egípcia Inédita no Museu Nogueira da Silva. In revista “Forum” 47-48, Braga: Conselho Cultural/UM, pp.105 a 116.

 
 


Harpa estilo Luís XVI, francesa e datada de 1893.
 Executada em madeira entalhada em tons de verde e dourado em verniz Martin. Possui mecanismo a discos com 7 pedais e 43 cordas. Apresenta caixa harmónica circular e tampo harmónico liso com pinturas de pequenos anjos tocando instrumentos musicais.  Com registo do fabricante: Erard-Facteur de Pianos et Harpes – 13 Rue du Mail, Paris, bem como, o número de fabrico 2364.


Altura – 180 cm Comprimento- 100 cm Largura – 54,2 cm
Div-294


A harpa é um dos instrumentos musicais mais antigos. A sua origem remonta provavelmente à Mesopotâmia e as primeiras fontes conhecidas datam de cerca de 3000 a.C. A harpa expandiu‐se a diferentes culturas. Aparece representada em desenhos descobertos em túmulos egípcios ou em esculturas e vasos da Grécia antiga. Neste período as harpas eram instrumentos de menores dimensões tocadas com os dedos ou usando um plectro (acessório com o qual se dedilham as cordas). A harpa foi evoluindo ao longo do tempo adaptando‐se ao repertório. Nesse sentido, no Renascimento dá‐se a introdução de um conjunto de cordas duplo ou triplo, que permitia tocar todas as notas (ou seja, garantia um sistema totalmente cromático). A introdução dos pedais, no primeiro quartel do século XVIII, foi um outro desenvolvimento muito importante, simplificando o mecanismo anterior. No século XIX a harpa tornou‐se um instrumento bastante popular e de salão, integrando também a orquestra na Europa Ocidental, onde a encontramos ainda hoje. As harpas têm um importante papel em diversas culturas, sendo instrumentos aos quais está associado um importante simbolismo, também religioso. Como tal, existem várias representações de santos e anjos a tocar este instrumento, nomeadamente Santa Cecília.


I
n http://www.museunacionaldamusica.gov.pt/

 
 


Placa de Esmalte – Representação da Virgem com o Menino e São José. Recriação do século XIX (?) de esmaltes pintados no período renascentista.

Alt.:17,5cm x Larg.: 14,3cm
Div-669


“No século XIX, com o entusiasmo pelo coleccionismo de obras de arte do período renascentista, e com o ressurgimento da técnica de pintura de esmalte de Limoges, era de esperar a execução de cópias e de falsos. O maior número de imitações de pintura de esmalte limusina, à maneira de século XVI, foi feita a partir das obras dos mestres mais conhecidos e apreciados: os da família de Pénicaud, Limosin, Court, de Court, Courteys (Courtois) e de Pierre Reymond e da sua oficina. (…) A aceitação de peças falsas bem executadas como obras antigas foi em geral muito apoiada e fomentada pelos antiquários, uma vez que consideraram perdidos os segredos e as capacidades do ofício, e as obras primas anteriores já não podiam ser recriadas. Mesmo quando examinados à lupa pelos conhecedores e curadores de museus com coleções oitocentistas, as falsificações e os falsos mais elaborados e convincentes eram facilmente aceites como antiguidades genuínas, entrando de boa-fé em colecções privadas e de museus. O século XIX, foi um período em que várias oficinas e estúdios de produção de esmalte prosperaram, especialmente em França e na Suíça, criando produtos de luxo de diversos tipos. Alguns desses negócios também se especializaram no restauro de artigos valiosos, fazendo peças para substituição ou criando duplicados de artigos danificados quando era necessário. Nas primeiras décadas do século XIX, alguns esmaltadores descendentes de famílias de artífices franceses com uma longa tradição teriam herdado antigos armazenamentos de fita de esmalte, uma vez que este tipo de produto podia ficar armazenado em boas condições por tempo indefinido. Esse tipo de materiais antigos genuínos podiam, por isso, ainda ser usados para a manufactura de secções para substituição em trípticos e retábulos antigos. (…) Naturalmente, as peças autênticas mais antigas são as mais apreciadas, admiradas e valorizadas, pela respectiva inspiração artística, e como sendo fiéis à sua própria época. Mas as melhores imitações dos esmaltes pintados do período renascentista, embora criadas como falsos, podem ser apreciados por direito próprio. Representam um verdadeiro revivalismo e reinauguração de competências e de talentos que permitiram que peças notáveis fossem produzidas de novo com os materiais perenes dos esmaltadores.”

Erika Speel

In Pintura de Esmalte de Limoges – O revivalismo do séc. XIX: reproduções, falsos e falsificações - Catálogo da exposição “Azul e Ouro: Esmaltes em Portugal da Época Medieval à Época Moderna”, Coedição Museu Nacional de Soares dos Reis e Bluebook; 2021


 
 

 

Luís XIV, protector das Artes
da autoria do círculo do Pintor Nicolas Mignard (1606-1668).

Óleo sobre tela
PN-12 (a-110cm X l-93,5cm)


“(…) esta obra relaciona-se manifestamente com a arte dos Mignard, autores de inúmeros retratos da corte de Luís XIV. (…) O retrato “dentro do quadro”, de muita boa qualidade, com o monarca virado para a direita coincide quase integralmente com uma gravura de Nicolas de Poilly, todas elas derivadas de Nicolas Mignard. (…) A composição de Braga é extremamente elaborada. Dois anjos de joelhos por terra, um manto rosado, outro de manto azul, seguram um retrato rectangular com o busto de Luís XIV, que dois outros anjinhos acabam de revelar aos olhos do espectador, retirando o reposteiro de veludo púrpura que cobria. Uma dobra do reposteiro ainda se vê por cima da moldura, a marcar a cabeça do monarca. Quase todas estas figuras olham deliberadamente na direcção do espectador, e o anjinho na parte superior, à esquerda, aponta para o rei. Em baixo, espalhados pelo chão, encontram-se atributos das Belas Artes e Artes Liberais, instrumentos musicais, uma paleta com pincéis, um modelo de escultura, compasso, esquadros, um livro aberto, etc. A pintura glorifica o monarca francês na sua qualidade de protector, mecenas e conhecedor das artes, tema, entre outros, de uma pintura de 1671 de Jean-Baptiste Garnier no Palácio de Versalhes.

De longa cabeleira, bigode fino, com uma faixa de cetim por cima da couraça e com uma gravata delicadamente bordada à volta do pescoço, o Rei Sol fixa o espectador do quadro dentro do quadro, ou seja, a partir de um espaço duplamente afastado do plano da realidade, do plano do espectador. Pela factura que evidencia um tratamento naturalista e também por contraste com o que o rodeia – espaços indeterminados, anjos, reposteiro – o retrato ganha como que uma valia de realidade, ou de presença, que, curiosamente, ainda acentua mais a distância que separa a augusta figura do comum dos mortais. O retrato do Rei Sol é de facto proposto de longe, por quatro figuras celestiais, à veneração dos mortais, como se de um ícone se tratasse, ou de um precioso relicário só a alguns eleitos revelado.”

Luís de Moura Sobral


In Pintura Estrangeira dos Séculos XVI, XVII e XVIII da Colecção Nogueira da Silva, ed. MNS/UM, 1995.

NOTA: Excerto de um dos diversos textos de Luís de Moura Sobral, sobre a coleção de pintura do Museu Nogueira da Silva, após o seu estudo. Um contributo inestimável para a construção dos conteúdos sobre esta coleção.

 
 


Tinteiro chinês de porcelana da china
, séc. XIX.
Tinteiro representando um canteiro gradeado com carpa, na parte central, servindo de recipiente para a tinta. Os suportes para pincéis são representados por bambus, e duas pequenas peónias em relevo. A carpa, peixe de água doce originário da china, está associada, na simbologia oriental, à longevidade, riqueza, abundância e perseverança. Expressa também votos de êxito a um letrado para que alcance superioridade intelectual.
CR-206
Comprimento - 14,5 cm
Largura -7,8 cm
Altura – 3,8 cm


(…) Chegados a Cantão em 1514 puderam os Portugueses fazer larga provisão de magníficas louças de porcelana, matéria preciosa e rara, conhecida na Europa através do comércio de Veneza com o Oriente. O acesso directo à produção destes artigos de luxo – cuja matéria-prima a Europa ignorava, mas à qual se atribuíam qualidades portentosas, exerceu uma poderosa atracção estética e comercial nos nossos navegadores: não só trouxeram para Lisboa grandes quantidades de porcelana, produzida durante os últimos reinados de dinastia Ming, como ainda ousaram “encomendar” às fábricas chinesas a partir de 1521, peças e serviços (…) e, assim desde muito cedo se iniciou certamente o gosto pelo coleccionismo que permitiu que chegassem aos nossos dias, particularmente acarinhados, alguns exemplares das primeiras encomendas de porcelana com inclusão de elementos europeus na sua decoração. (…)
Maria Manuela Soares de Oliveira Mota

Maria Manuela Soares de Oliveira Mota (1989) “Porcelanas - Quatrocentos anos de Coleções Reais” in Porcelanas Orientais do Palácio Nacional da Pena, Lisboa, Instituto Português do Património Cultural

 
 


Retrato do ator Ichikawa Ebizo,
no papel de Soga (guerreiro) no Goro Tokimune. Xilogravura do artista Utagawa Kunisada, assinatura Gototei, utilizada pelo artista entre 1811-1840. O selo do censor é de Kiwame (1719-1842). A imagem do selo não muito clara: Ezakiya Kichibei?
GR-43
Larg. 24 cm – Alt.35 cm

Largura-11,6 cm
Altura-17,2 cm


setembro 2021


Utagawa Kunisada (1786-1865), gravador japonês muito popular e bastante profícuo, ao longo de cinco décadas de vida artística, realizou uma considerável quantidade de xilogravuras. Desconhece-se detalhes da sua vida pessoal, nascido em Edo (actual Tóquio), filho de um poeta amador, desde cedo evidenciou um enorme talento para o desenho e pintura. As suas capacidades impressionaram grandes mestres japoneses, nomeadamente da Escola de Utagawa que o convidaram a ingressar, tendo-se mais tarde destacado como um dos seus alunos mais consagrados. Ousado nas cores e nos traços que imprimiu às suas obras, procurou estar em sintonia com os gostos dos seus compradores, desenvolvendo vários temas: paisagens, animais e figuras humanas. É relevante, na sua extensa obra, as notáveis xilogravuras de atores famosos e populares que representaram no auge do teatro Kabuki. O artista proporcionou uma grande visibilidade ao teatro do Japão, numa época em que suas obras eram a única forma de documentar a actividade teatral japonesa. As suas xilogravuras fazem parte de importantes acervos museológicos, nomeadamente: British Museum, Metropolitan Museum of Art, Museum of Fine Arts, Boston e Vanderbilt University Fine Art Gallery. .

 
 

 

Desenho a tinta da china,
representado um barco, executado pelo Rei D. Carlos I, possivelmente na Baía de Cascais, local de veraneio da família Real Portuguesa. Assinado e datado, 1897.
D. Carlos nasceu em Lisboa, no Palácio da Ajuda, em 1863. Filho de D. Luís I e D. Maria de Sabóia. Em consonância com o seu estatuto de príncipe herdeiro, recebe refinada educação nas Artes, nas Letras e nas Ciências. Casa com D. Amélia de Orleães, neta do rei de França, D. Luís Filipe, de quem vem a ter três filhos: o príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, D. Maria Ana e o infante D. Manuel, que haveria de ser rei, o último antes da revolução de 1910. D. Carlos é aclamado rei em 1889, após a morte do seu pai, com 26 anos. Morre em Lisboa em 1908.
DS-1
Largura-11,6 cm
Altura-17,2 cm


julho 2021

Estas panorâmicas de Cascais integram álbuns, encadernados e de grandes dimensões, com apontamentos e registos dos passeios reais, reflectindo uma curiosa sensibilidade
pictórica e grande qualidade técnica, que por vezes associa a aguarela e a tinta-da-china, em páginas criativas de dinâmicas manchas estilísticas. Fialho de Almeida afirmava que o rei se esforçava “por pintar em português”, representando mares próximos da capital, e especialmente na zona de Cascais, onde a família real estanciava. Afastado de mundanidades mas também do governo do país, numa monarquia polémica e contestada, desenvolvia o seu interesse pelos temas marítimos, pouco habituais na pintura portuguesa. O seu sensitivo tratamento da luz, em captações vigorosas de mar (…) e assumem uma talentosa dimensão artística, habilmente desenvolvida na sua produção de marinhas.

Maria Aires Silveira

In MNAC: Baía de Cascais (museuartecontemporanea.gov.pt).

   
 


B
om Pastor,
Séc. XVII, escultura de marfim Indo-Portuguesa.

Descreve a conhecida parábola cristã evangélica do bom pastor (Cristo) que guarda e defende as suas ovelhas (fiéis), procura e traz para o rebanho a ovelha perdida (o pecador).

ES-87 Altura: 9cm Largura: 4,5cm

maio 2021


(…) Conforme testemunhos existentes nas catacumbas romanas, a iconografia cristã surge nos primeiros tempos do cristianismo. A sua progressiva elaboração apoiou-se na ideia de que nada é mais claro ao espírito humano do que as imagens e os símbolos. Antes de se tornarem objectos de culto já representavam o papel de “livros dos iletrados”, suportes materiais esclarecedores das abstracções do discurso teológico, veículos seguros da doutrinação. Transpondo fronteiras linguística, a eficácia da iconografia cristã na pregação silenciosa sustentou o trabalho de cristianização na pregação silenciosa sustentou o trabalho de cristianização dos povos, relatando histórias, etapas dos Evangelhos, vidas de santos, tudo de forma clara e directa. Estruturada dentro deste projecto, não permitia obscuridades ou interpretações subtis: falou com objectividade e clareza. Um gesto, um detalhe ou um simples atributo simbolizam a mensagem proposta pela iconografia. (…) A figuração do Bom Pastor é uma das mais antigas da iconografia cristã. Remonta à fase em que o cristianismo, contestado e perseguido, se esconde nas catacumbas romanas, reinterpretando conhecidas formas helenísticas. (…) Na vitoriosa caminhada do cristianismo enquanto poder, esta doce figura, entre outras, desaparece. (…) Por volta dos séculos XIII e XIV, ao longo de todo o século XV, sob a luz do nascente humanismo, ocorreriam mudanças. O Renascimento faria o esplendor da arte cristã e o movimento político-religioso que foi a Contra-Reforma direccionou a produção iconográfica para rumos diversos: se, por um lado, introduziu temas dramáticos e emocionais, produziu também uma iconografia que retomou a doçura do cristianismo. Dentro deste programa ressurge a figura do Bom Pastor. (…)

In Arte do Marfim, ed. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Porto, 1998

   
   
 


Cristo de marfim indo-português

da segunda metade do século XVIII, com base de madeira ao gosto neoclássico e resplendor em prata.
ES-161 Alt.35,cm Larg. 24 cm

abril 2021


Sereno, dramático, lacerado, trágico, lírico. A trajectória da agonia mostra-O vivo, agonizante e morto; neste último caso, é quase regra encontra-Lo com a cabeça tombada à direita. Segundo a tradição, a fixação da cruz foi orientada para os quatro pontos cardeais. A face tombada à direita indicava a direcção de Roma, de onde surgiria a Sua Igreja. O ângulo de abertura dos braços foi interpretado como mensagem. Abertos na horizontal, simbolizavam a salvação de toda a Cristandade. Nos crucificados onde a abertura é mínima e faz quase um V, de acordo com a doutrina herética jansenista (Cornélio Jansen, 1585-1638), simbolizavam advertência quanto ao reduzido número de predestinados à felicidade eterna.
Verificada a falta de fundamento nesta interpretação, tudo leva a crer que considerações atinentes ao resultado plástico seriam as principais determinantes na angulação dos braços. A coroa de espinhos integrada na cabeça é conhecida desde o século XIII, mas não se torna regra nem mesmo no século XVI, quando é mais frequente. A chaga no peito aberta pelo golpe de lança aparece regularmente à direita. Embora, raras, existem figurações com a chaga no lado esquerdo.
Segundo a tradição, a veste usada por Jesus na crucificação foi o “subligaculum”, espécie de faixa que envolvia rins e coxas, um tipo de calção de uso quotidiano. Na Alta Idade Média, Jesus foi representado vestindo túnica longa, deixando mãos e pés descobertos.
Dentro de pequenas variantes, a veste actual, e que guarda afinidades com o “subligaculum”, é conhecida desde o Renascimento. Nada mais é que uma faixa estreita de pano envolvendo o corpo abaixo da cintura, amarrada à direita. Em casos raros, o laço de acabamento faz-se à esquerda.
O número de cravos que O prendiam à cruz foi, entre todas, a questão que mais dúvidas suscitou. Até ao século XIII, foi regular o uso de quatro cravos – um para casa mão, e um para cada pé -, separados. A partir de então e até ao século XVI, preferiu-se o emprego de três cravos, representando-O com os pés sobrepostos.(…)


In Arte do Marfim, ed. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Porto, 1998

   
   
   
   
   
   

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